"Bebia esse líquido perfumado em porcelanas da China, chamadas casca-de-ovo, de tão diáfanas e leves, e assim como não admitia senão tais adoráveis xícaras, só se servia, em matéria de talheres, da autêntica prata dourada."
Recentemente li Às Avessas, de Huysmans, pensando em escrever sobre o livro e os temas abordados — não só ele, mas outros dois livros também, que ainda falta terminar, então deve demorar.
Às Avessas é um caso à parte que queria comentar: não uma coisa extensa, mas uma pincelada na natureza dele. De fato é um livro denso: seja pelas descrições gigantescas de artes, plantas etc., ou pela ambiguidade da obra. Muitas vezes nos perdemos lendo — não sabemos onde termina Huysmans e começa Des Esseintes (o protagonista, se é que podemos chamá-lo assim). Várias vezes me perguntei: é um "romance" ou um diário febril de Des Esseintes?
A ambiguidade é a palavra mais adequada para descrevê-lo. Seja pela escrita que confunde autor e personagem, seja pelas múltiplas visões possíveis sobre a obra.
Múltiplas leituras são possíveis graças a essa ambiguidade — particularmente, acho isso incrível. Para um marxista, o livro denuncia os valores decadentes da elite burguesa. Para um esteta, é uma ode à beleza. Para um moralista, expõe a decadência moral da sociedade. E quanto mais penso, mais leituras aparecem.
Des Esseintes é uma figura igualmente ambígua, mas que possui certas constantes. Seu tédio existencial é evidente. No começo, a refinação e a busca pela perfeição dos sentidos parecem inspiradoras — mas se esvaiem com o tempo.
Des Esseintes é muitas coisas: esteta, niilista, decadente, corruptor. Mas esse acúmulo não resulta em plenitude — resulta em vazio. Não que ele seja literalmente nada, mas não consegue ser inteiramente algo. Cada identidade escorrega. No fim, resta uma figura sem forma: não é tudo, mas também não é nada. Apenas ambiguidade.
Recomendo a leitura — é realmente um livro fascinante. Possivelmente descobrirá uma nova forma, um novo diagnóstico acerca da obra e seus temas.