
Há algo curioso que acontece quando olho para fotos antigas da minha infância — especialmente daquelas épocas que minha memória ainda não alcança. São pequenos fragmentos de um espaço-tempo estático, onde tudo parece familiar, mas ao mesmo tempo distante, como um sonho de outra pessoa que por acaso carrega o meu rosto. O ambiente da casa é outro, os móveis mudaram, as paredes têm cores diferentes. Até as pessoas ali presentes — que ainda fazem parte da minha vida — parecem versões mais jovens de si mesmas, como se tivessem mais energia, mais leveza, mais tempo.
E por alguma razão, tenho a impressão de que o mundo era mais frio naquela época. Não consigo explicar. A temperatura real não mudou tanto, eu sei disso. Mas existe uma sensação — talvez mais emocional que física — de que o ar era mais gelado, o vento mais cortante, as manhãs mais cinzas. Como se o tempo, além de passar, também tivesse textura.
Às vezes, me bate uma vontade de explorar aquele mundo. Não exatamente revivê-lo, mas estar lá como um observador, vagando por entre aqueles cenários com olhos de agora. Como se fosse possível entrar numa memória alheia e passear por ela como por uma cidade antiga, onde as ruas carregam o nome de histórias que não vivi. E mesmo assim, sentir um certo pertencimento.
Esse sentimento aparece também quando escuto histórias de familiares sobre momentos engraçados que vivi e não me lembro. Rimos juntos, mas eu não estava lá — pelo menos não de forma consciente. Ou quando falam de pessoas que já se foram, gente da família que nunca conheci, mas que de algum modo me deixaram um legado invisível, costurado em lembranças dos outros. Elas não existem mais neste mundo, mas vivem, mesmo que só na memória de poucas pessoas.
Apesar de tudo isso, mantenho firme um discernimento que julgo essencial: sei que aquele tempo não me pertence. Sei que o passado, por mais fascinante que seja, é um lugar que não pode ser habitado. Não sou daquela época, nem daquelas versões das pessoas, nem daquele clima, nem daquela casa. E saber disso, aceitar isso, é uma forma de respeito — tanto pelo passado quanto pelo presente.
Ficar preso à saudade é esquecer que o agora também está acontecendo. Que há pessoas ao meu redor hoje, vivendo suas próprias versões de eternidade. Que há histórias nascendo, sentimentos se construindo, mudanças acontecendo diante dos meus olhos. O presente não pode ser negligenciado em nome daquilo que já foi.